Em poucos momentos da história recente do país, pudemos observar uma articulação realmente inteligente e baseada exclusivamente em critérios lógico-racionais quanto ao aprimoramento e modificação de legislação tributária brasileira. E eis que, no entanto, estamos diante de um potencial belo exemplar, ainda que ameaçado pelo embate político.
Entretanto, deixando de lado a análise política do difícil caminho que se anuncia para o avançar dessa pretensão do atual Ministro da Fazenda, de racionalização estrutural da tributação brasileira, sem dúvida uma importante “moeda” para a economia brasileira, com vistas à melhora do cenário fiscal geral, sem necessidade de aumento de tributos, vale a pena qualificar melhor o debate sobre o tema, a fim de permitir a análise com qualidade a respeito da “moeda” que vem sendo cunhada pela equipe econômica do governo federal ao longo das últimas semanas e que, como toda moeda, tem duas faces.
A primeira face da moeda veio já publicada no “Diário Oficial da União” da última terça-feira, dia 14 de julho, com a edição da Medida Provisória nº 683, por meio da qual foram criados dois Fundos: o Fundo de Compensação e Desenvolvimento Regional para os Estados e o Fundo de Auxílio à Convergência das Alíquotas do ICMS, cujo objetivo seria possibilitar a compensação aos Estados que perderem arrecadação com a possível unificação do ICMS, em função da reforma estrutural no tributo, imperiosa para fins de facilitação do comércio interestadual, o que evidentemente estimularia o investimento produtivo e o desenvolvimento regional.
É notório: o ICMS é hoje o mais complexo aspecto do sistema tributário brasileiro. E ele é difícil para os contribuintes, mas também o é para as 27 administrações tributárias que sobre ele exageradamente legislam. Não à toa os contribuintes são obrigados a manter verdadeiros exércitos cuidando quotidianamente do compliance de todas as inúmeras obrigações tributárias estabelecidas por esse grande acervo de leis e normas.
Fato é que, depois da promulgação da Constituição, muitas tensões surgiram no quotidiano das administrações fazendárias estaduais, de onde derivaram novas leis e inúmeros decretos, por conta da vã ilusão que existe no Brasil de que governar é legislar e de que o avançar da produção de novas leis e normas resolveria todos os problemas reais. Evidentemente, nada de bom daí adveio e o imposto foi se tornando paulatinamente quase impossível de ser compreendido e administrado, além de ter fomentado intensamente a já tão conhecida e nefasta “Guerra Fiscal” entre os Estados. Nefasta para os contribuintes, mas também para o país.
Enfim, para modificar tudo isso e melhorar racionalmente o sistema, o que é absolutamente essencial para o Brasil, é preciso ter receitas, como sempre, aliás, e as quais são obtidas ou por criação e geração de novas receitas, ou por corte de despesas. E, como também já sabemos, a maioria dos governos, incluindo-se aí especialmente o brasileiro, mas não só, tem enorme dificuldade de fazer sua lição de casa orçamentária quando se trata de cortar despesas.
Assim sendo, a geração de novas receitas governamentais teria que vir por meio de majoração de tributos já existentes ou criação de novos. Entretanto, não há contexto político ou social minimamente favorável para isso neste momento no país. Ou ainda, por meio de outras fontes de receitas que viessem a ser criadas, sem que, no entanto, tais fontes alcançassem os contribuintes que já estão atualmente pagando os tributos sobre aquelas bases imponíveis já utilizadas correntemente pelo sistema tributário nacional.
Eis ai a outra face da moeda em análise. É que a Medida Provisória aqui referida justamente pretende também a viabilização de utilização de outras receitas tributárias, que seriam geradas por bases potencialmente imponíveis, mas que neste momento não estão sendo alcançadas correntemente pelos vários mecanismos de imposição de impostos e tributos na jurisdição brasileira. Note-se que parte do dinheiro dos fundos, de acordo com o texto da MP, viria da arrecadação de tributação e multa de regularização cambial tributária aplicada a recursos existentes no exterior, mas não declarados.
Ou seja, repatriando ao menos parte dos estimados quinhentos bilhões de reais de recursos de cidadãos brasileiros ou domiciliados no país, que se encontram fora da jurisdição brasileira e em situação irregular do ponto de vista cambial, receberia o governo brasileiro volumosas e expressivas receitas, que lhe permitiriam não só a viabilização dos importantes objetivos retro mencionados, como também provocariam outros efeitos macroeconômicos muito interessantes e que seriam alcançados sem que os contribuintes já existentes tivessem que ser ainda mais pressionados.
Portanto, ambas as iniciativas são a cara e a coroa da mesma moeda: a moeda da racionalidade tributária e da articulação inteligente de ações governamentais para aumentar a eficiência estatal e para melhorar o país com coragem e criatividade. Desprezar esses números por conta de falsos moralismos não é aceitável, muito menos lógico ou racional. E até porque, parcela expressiva dos ativos não declarados às autoridades brasileiras, não tem origem criminosa, como querem fazer os detratores de ocasião dessa bela iniciativa da atual equipe econômica do governo federal. Suas origens são lícitas, e, na verdade, estão irregulares apenas do ponto de vista cambial, mas não sob o ponto de vista tributário. A decisão deve ser técnica, jurídica e econômica e, para tanto, a política demagógica e vazia em nada contribui.
Texto desenvolvido por: Raquel Elita Alves Preto
Fonte: Portal Administradores