O STF e o fim da presunção de relação de emprego

Como noticiado aqui na ConJur no último dia 18, o STF encerrou o julgamento da ADC 66, ajuizada pela Confederação Nacional da Comunicação Social (CNCOM), quanto ao artigo 129 da Lei 11.196/2005.

O artigo de lei em questão preceitua que “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — Código Civil”.

Na área trabalhista, o fenômeno permitido por tal dispositivo legal ficou conhecido como “pejotização”, em que o ser humano trabalhador se traveste de pessoa jurídica para prestar seus serviços a um tomador, evitando a incidência dos tributos e encargos inerentes a uma possível relação trabalhista de emprego.

O tema é antigo na Justiça do Trabalho, há muito existem inúmeras ações alegando fraudes no uso de pessoas jurídicas para mascarar a relação de emprego, sustentando-se, a partir do princípio da primazia da realidade, que o verdadeiro vínculo mantido entre as partes é de emprego, entre empregado e empregador, e não de prestação de serviços por pessoa jurídica.

A tese vencedora no STF, a partir do voto da ministra Carmem Lúcia (leia aqui a íntegra do voto), a rigor não muda o cenário quanto à possibilidade de se questionar na Justiça eventual irregularidade na contratação de empregados por via de pessoas jurídicas, mantendo, assim, uma das mais clássicas regras do Direito do Trabalho, prevista no artigo 9º da CLT: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Em outras palavras, continua sendo possível a alegação de fraude perante a Justiça do Trabalho com o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego e, por óbvio, todas as consequências jurídicas daí advindas, com a aplicação dos direitos trabalhistas ao ser humano trabalhador.

O que muda, então, com o recente julgamento do STF? Primeiro, a constatação de que o Supremo está à frente da percepção majoritária da área trabalhista no que concerne ao desenvolvimento das relações de trabalho. A mais alta corte do país já deixou claro, mais de uma vez, que o Direito do Trabalho precisa se comunicar com a ideia de liberdade na atividade econômica, seja pela análise feita quando do julgamento acerca da terceirização na atividade-fim, o que inclusive foi citado no voto da ministra Carmem Lúcia acima mencionado, seja pelo advento da Lei 13.874/2019, a Lei de Liberdade Econômica, que concretiza o valor constitucional da livre iniciativa e é de observância obrigatória na aplicação e na interpretação do Direito do Trabalho (artigo 1º, §1º).

Em decorrência, parece estar o STF pronto para aceitar novas formas de regulamentação do trabalho humano para além do modelo tradicional celetista, o que já poderia estar sendo levado em conta para o debate, por exemplo, da existência ou não de vínculo de emprego entre trabalhadores por aplicativo e as plataformas digitais. Tudo sinaliza que o STF tenderia a permitir esta nova forma de organização de uma atividade econômica, sem reconhecimento do vínculo de emprego. Vale a pena, portanto, insistir anos nesse caminhar da jurisprudência ou seria melhor construir uma alternativa viável para a proteção destes novos trabalhadores?

Por outro lado, a decisão do Supremo indica que, nas ações em que se alegue fraude no uso de pessoas jurídicas ou em outras novas formas de organização do trabalho humano, não há de se presumir a referida ilicitude e, portanto, inviável a distribuição do ônus da prova a favor do trabalhador.

Explica-se. É muito comum, nas ações trabalhistas, fixar-se uma presunção favorável ao trabalhador pela existência do vínculo de emprego. Algo como: ao reclamante-trabalhador basta provar que houve trabalho; ao reclamado-tomador cabe provar que o vínculo não foi de emprego.

Em outras palavras, parte-se institivamente da ideia de fraude, cabendo ao tomador a demonstração de que a prestação dos serviços ocorreu em modalidade diferente da empregatícia, como se o modelo celetista fosse a regra geral obrigatória em nosso ordenamento jurídico. Pois bem, não é.

A relação de emprego constitui umas das espécies do gênero relação de trabalho, que convive com outras espécies igualmente lícitas em nosso ordenamento jurídico: relação de trabalho autônomo, relação de trabalho avulso, relação de trabalho cooperativado etc.

Sendo garantido pela legislação o exercício de trabalho através de pessoa jurídica, conforme o artigo 129 da Lei 11.196/2005, agora reconhecido como constitucional pelo STF, não há motivo para se presumir qualquer tipo de ilegalidade pela escolha desse modelo de contratação. A presunção a ser adotada deve afirmar o direito constitucional de liberdade, para que se concretize a “mínima interferência na liberdade econômica constitucionalmente assegurada e revestir-se de grau de certeza para assegurar o equilíbrio nas relações econômicas e empresariais”, nas palavras da ministra Carmem Lúcia.

A bem da verdade, não há nenhum dispositivo em nosso ordenamento jurídico que determine a presunção de vínculo de emprego sempre que se alegue existir trabalho a favor de outrem. Essa presunção adveio de uma cultura que sempre viu a relação de emprego como regra, decorrente também da cultura de que esse modelo é o ideal a ser perseguido para a melhor proteção dos trabalhadores.

O Código de Trabalho português, por exemplo, estabelece condições para que ocorra a presunção de contrato de trabalho em seu artigo 12, arrolando algumas características que geram essa presunção, não cabendo ao intérprete presumir para além da regra criada pelo Parlamento.

Lembro de palestra proferida por uma colega juíza em Portugal, em curso que tive a oportunidade de frequentar na Universidade de Coimbra, em que, após explicar que no Brasil muitas vezes o próprio Poder Judiciário fixa presunções, como a do vínculo de emprego pela simples alegação de ter havido trabalho, a magistrada se espantou e respondeu o que achava desta possibilidade: “O caos”.

Sendo esta a última coluna do ano de 2020, cabe finalizar com uma mensagem de otimismo e esperança para o próximo ano: que a área trabalhista tenha sabedoria para aceitar novos rumos, antecipando o debate sobre uma nova regulamentação do trabalho humano que atenda aos interesses sociais e econômicos, atenta às modificações já sinalizadas pelo STF, para que avancemos nos compromissos constitucionais de erradicação da pobreza e redução da desigualdade social, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos! Feliz Ano Novo!
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Otavio Torres Calvet é juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP e presidente da ABMT — Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho.

Revista Consultor Jurídico, 29 de dezembro de 2020, 8h02

Nova NF-e Nacional unificará emissão fiscal no país a partir de 2026

Empresas devem iniciar adaptações já em 2025 para atender ao novo modelo fiscal, que conviverá com o sistema atual até 2033.

16/06/2025

 

A partir de julho de 2025, empresas de todo o país iniciarão a fase de testes da nova Nota Fiscal Eletrônica Nacional (NF-e Nacional). O modelo, que substituirá os sistemas estaduais atualmente utilizados para emissão de documentos fiscais, será obrigatório em 2026.

A mudança faz parte do processo de simplificação fiscal promovido pela Reforma Tributária, sancionada em 2024, e exigirá das empresas uma reestruturação profunda em seus sistemas fiscais e operacionais. O prazo de adaptação é considerado apertado por especialistas, especialmente diante da complexidade tributária brasileira e da necessidade de operarem dois modelos fiscais simultaneamente até 2033.

 

O que é a NF-e Nacional

A Nota Fiscal Eletrônica Nacional foi desenvolvida para unificar os sistemas estaduais de emissão de notas fiscais no Brasil. O novo modelo será obrigatório para todos os contribuintes que emitem a NF-e modelo 55 (Nota Fiscal de Produtos) e a NFC-e modelo 65 (Nota Fiscal ao Consumidor Eletrônica).

Além da unificação, a NF-e Nacional já está estruturada para atender às novas exigências trazidas pela Reforma Tributária. O documento fiscal terá campos específicos para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirão tributos como PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS.

 

Fase de testes e cronograma de implantação

A implantação da NF-e Nacional começará com uma fase de testes a partir de julho de 2025. Essa etapa permitirá que empresas, desenvolvedores de software e órgãos fiscais ajustem seus sistemas e processos ao novo modelo.

A partir de 2026, a emissão da NF-e Nacional passará a ser obrigatória em todo o país. No entanto, o sistema atual de emissão continuará válido até 2032, com a possibilidade de prorrogação até 2033. Durante esse período, as empresas terão que administrar simultaneamente dois regimes fiscais: o modelo vigente e o novo modelo nacional.

Essa convivência prolongada exigirá investimentos em tecnologia, parametrização de sistemas e treinamento de equipes para garantir a conformidade tributária em ambas as modalidades.

 

Impactos da NF-e Nacional para as empresas

A implementação da NF-e Nacional exigirá uma série de ajustes nos sistemas de gestão (ERPs) das empresas. Será necessário:

Reconfigurar os parâmetros de emissão fiscal para atender ao novo layout da nota;
Ajustar regras de validação e cálculos tributários;
Adaptar processos internos para tratar das novas obrigações fiscais;
Garantir a correta apuração e escrituração dos novos tributos CBS e IBS.
Especialistas alertam que empresas que não iniciarem o processo de adequação com antecedência podem enfrentar riscos significativos, como autuações fiscais, inconsistências nos documentos e perda de produtividade.

Segundo a Receita Federal, a adaptação é fundamental para evitar falhas operacionais durante o período de transição e para assegurar que a apuração dos créditos tributários ocorra corretamente.

 

Desafios da convivência entre dois modelos fiscais

Um dos maiores desafios para as empresas será a convivência entre o modelo atual e a NF-e Nacional até 2033. Durante esse período, será necessário emitir notas fiscais em ambos os sistemas e manter o controle rigoroso sobre a apuração de tributos nos dois modelos.

Além disso, ainda existem pontos indefinidos sobre a Reforma Tributária que impactam diretamente a operacionalização da NF-e Nacional, como a definição da alíquota final da CBS e do IBS. Estimativas indicam que a carga tributária somada desses novos tributos poderá ultrapassar 25%, o que reforça a necessidade de planejamento financeiro e fiscal.

 

Vantagens esperadas com a nova NF-e

Entre os benefícios da NF-e Nacional estão:

Maior simplificação no processo de emissão fiscal;
Redução da cumulatividade dos tributos;
Maior transparência na apuração de créditos fiscais;
Integração facilitada entre os entes federativos;
Padronização nacional das regras fiscais.
De acordo com o Ministério da Fazenda, a nova nota fiscal eletrônica faz parte de um esforço para modernizar o sistema tributário brasileiro e reduzir a complexidade fiscal que hoje impõe altos custos de conformidade às empresas.

 

Urgência na adaptação

Diante do cronograma estabelecido, especialistas recomendam que as empresas iniciem imediatamente o planejamento e a atualização de seus sistemas. Segundo a Receita Federal, o período de testes será crucial para que empresas e fornecedores de software possam validar o correto funcionamento das novas exigências.

“Empresas que deixarem para adaptar seus sistemas apenas na véspera da obrigatoriedade correm sérios riscos de não conseguir cumprir os novos requisitos fiscais, o que pode gerar autuações e prejuízos operacionais”, alertou a Receita em nota técnica.

Além da atualização tecnológica, será necessário capacitar as equipes envolvidas no processo de emissão fiscal, incluindo áreas de contabilidade, tecnologia da informação e operação logística.

 

Próximos passos para as empresas

Para garantir uma transição segura, as empresas devem:

Verificar com seus fornecedores de ERP a disponibilidade de atualizações compatíveis com a NF-e Nacional;
Iniciar o mapeamento de processos internos que precisarão de ajustes;
Acompanhar a publicação de normas complementares da Receita Federal e dos fiscos estaduais e municipais;
Participar ativamente da fase de testes para identificar possíveis falhas antes da obrigatoriedade.

Com informações adaptadas da Agência Noar

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